sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Mulheres em eleições municipais no Brasil


Em muitos países, entre os quais o Brasil, a representação política das mulheres tornou-se um tema importante de discussão nas últimas décadas. Meio século ou mais depois da obtenção do direito de voto pelas mulheres, elas continuavam ocupando uma parcela muito reduzida das posições de poder. A partir, sobretudo, dos anos 1970, o movimento feminista obteve êxito em apontar que tal ausência era sinal de um problema – que não se tratava do reflexo de uma pretensa inclinação menor das mulheres para a participação na vida pública, mas do sintoma de uma exclusão, com base estrutural, que devia ser combatida.
A busca por uma presença maior das mulheres nos espaços decisórios insere-se em um movimento mais amplo, que identifica, como um dos pontos decisivos de estrangulamento das democracias contemporâneas, a sub-representação política de determinados grupos sociais. O grupo dos governantes, em relação ao conjunto da população, tende a ser muito mais masculino, muito mais rico, muito mais instruído e muito mais branco – uma observação que vale para o Brasil e para as democracias ocidentais em geral. A expansão da franquia eleitoral, com a incorporação de novos grupos, como as próprias mulheres, os trabalhadores e os analfabetos, à cidadania política não modificou de forma substantiva a situação. Como observou Anne Phillips, não basta eliminar as barreiras à inclusão, como no modelo liberal: é necessário incorporar explicitamente os grupos marginalizados no corpo político.
A afirmação da relevância política dos grupos sociais leva a uma ruptura com o individualismo abstrato que marca o pensamento liberal (e, por intermédio dele, o ordenamento constitucional das democracias ocidentais). O rompimento com essa tradição vai ser embasado teoricamente por uma miríade de pensadores, que, no entanto, oscilam desde a exaltação à diferença de grupo, com o abandono de qualquer perspectiva unificadora, como Iris Marion Young, até a busca de um compromisso com o republicanismo cívico, enfatizando a necessidade de que as pessoas percebam os limites de sua própria posição diante "da comunidade mais ampla à qual todos em última análise pertencemos", que é a posição da própria Anne Phillips.
Admitido o problema, muitos Estados (primeiro na Europa, em seguida no resto do mundo) passaram a adotar políticas que visavam ampliar a presença dos grupos subalternos nas esferas representativas – em especial para as mulheres, já que o sexo biológico se apresenta como uma variável dicotômica e inequívoca, sem ambigüidades, eliminando as polêmicas sobre as fronteiras do grupo a ser beneficiado (como acontece com raça, cor, classe ou renda). As medidas mais importantes envolveram a adoção de cotas eleitorais, implicando a reserva de um determinado contingente de candidaturas femininas.
Há uma clara ligação entre essa perspectiva e aquilo que, em seu estudo hoje clássico, Hanna Pitkin descreveu (e criticou) como "representação descritiva", que concebe o parlamento como uma espécie de mapa, no qual se vê a imagem perfeita, embora em tamanho reduzido, da sociedade. Com isso, o que os representantes fazem perde importância em relação a quem eles são; e um aspecto valioso da representação política, a responsividade dos eleitos para com seus eleitores, é deixado de lado. Ao defender o que prefere chamar de "política de presença" das críticas de Pitkin e outros, Anne Phillips admite que ela nasce da desilusão com a responsividade esperada dos representantes, que se mostrou incapaz de proteger as minorias.
Conforme uma vasta literatura já demonstrou, a eficácia das cotas está fortemente associada ao sistema eleitoral. Em primeiro lugar, a própria possibilidade da implantação de cotas é negada em países que adotam o sistema de voto majoritário (circunscrições uninominais), nos quais os partidos lançam uma única candidatura por vaga.
Depois, mesmo entre os países que adotam formas de representação proporcional, peculiaridades do sistema eleitoral mostram-se relevantes. Assim, a magnitude das circunscrições é importante; como regra geral, quanto maior elas são, mais eficazmente as cotas se traduzem em cadeiras no parlamento. O elemento mais importante, porém, é o caráter da lista: aberta ou fechada. Listas fechadas e bloqueadas – aquelas em que o eleitorado não tem nenhuma possibilidade de alterar a ordem dos candidatos – tendem a produzir uma transferência mecânica da proporção de candidaturas femininas para a proporção de mulheres no parlamento. Na Argentina, por exemplo, onde a lista é fechada, a adoção de uma cota de 30% para mulheres nas listas partidárias permitiu que a representação feminina na Câmara, antes inferior a 5%, saltasse para perto de 27%.
Onde as listas são abertas, a legislação é capaz de forçar a superação apenas da barreira inicial, aquela que, dentro dos partidos, impedia ou dificultava o lançamento de candidatas mulheres às eleições. Mas ainda fica faltando vencer o preconceito disseminado entre eleitores e eleitoras, que faz com que a mulher seja vista como estando deslocada no campo político, fora de seu meio 'natural', e portanto tenha menos chance de ser votada.
No caso do Brasil, às dificuldades próprias do sistema de listas abertas somaram-se outras, advindas da fragilidade da legislação que institui as cotas. As cotas eleitorais para mulheres no Brasil foram introduzidas pela Lei nº 9.100, de 1995, que regulamentou as eleições do ano seguinte para as Prefeituras e Câmaras Municipais. A Lei nº 9.504, de 1997, que regulamentou as eleições estaduais e federais, estendeu o princípio para a disputa das Assembléias Legislativas Estaduais e da Câmara dos Deputados Federal. A Lei nº 9.100 determinou que 20% das vagas das listas partidárias para as Câmaras de Vereadores fossem preenchidas por mulheres; a Lei nº 9.504 ampliou esse número para 30%, proporção mantida em todas as eleições seguintes, tanto municipais quanto estaduais e federais.
Não mudou, porém, o fato de que as vagas destinadas às mulheres são facultativas, isto é, os partidos tanto podem preenchê-las com candidatas (do sexo feminino) quanto deixá-las em aberto. Em todas as eleições ocorridas sob a vigência das cotas, na esmagadora maioria das listas, o percentual efetivo de mulheres concorrendo era inferior ao estabelecido em lei. Além disso, a legislação, no momento em que determinou a reserva de vagas, ampliou o total de candidaturas de cada lista. Ou seja, as vagas para mulheres não representaram uma diminuição no número de candidatos homens. Por fim, a lei é omissa quanto à distribuição dos recursos de campanha – entre eles o tempo de exposição na propaganda partidária no rádio e na TV, um elemento crucial nas eleições brasileiras –, que permanecem, em grande medida, monopolizados pelos candidatos homens.
Do ponto de vista deste artigo, o mais importante é assinalar que, no Brasil, assim como em outros países que adotam as listas abertas, coloca-se como relevante uma questão que é explorada, sobretudo, em estudos sobre sistemas majoritários: o que leva o eleitorado a votar (ou não) em mulheres?
O senso comum e muitos estudos sobre o problema estabelecem uma relação linear positiva entre o grau de desenvolvimento – entendido seja como desenvolvimento econômico, seja como "desenvolvimento humano" – e a presença feminina nas esferas de representação: "os dados mundiais sobre a mulher na política mostram uma correlação entre o nível de desenvolvimento humano e a proporção de mulheres nos parlamentos e como funcionárias ministeriais". O motor do processo é a modernização, entendida como superação de padrões societários tradicionais, que abre às mulheres novos espaços, antes interditos, e a política seria um deles.

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